Saber sobre o cinema, desde a sua criação até os dias de hoje, atualmente é muito fácil. Ao contrário de algumas décadas atrás onde não restavam muitas possibilidades além da consulta de livros específicos e enciclopédias (a Britannica, lançada em 1768 é muito anterior ao cinema) hoje em dia uma consulta à Internet trará um panorama completo da chamada 7ª arte.
O objetivo aqui será então mostrar os pontos de contato do cinema, desde sua origem até hoje, com o registro eletrônico da imagem, surgido com a televisão no sinal ao vivo e depois com o armazenamento definitivo dessas imagens.
É assim que passamos por aparelhos com nomes esquisitos, nos anos 60 do século 19, como o “zoetrópio”, composto por um cilindro giratório com fendas distribuídas a seu redor. Em seu interior, uma série de pinturas mostrando diferentes fases de uma ação – um cavalo saltando por exemplo. Ao ser girado o cilindro, quando se olha pelas fendas o cavalo parece animado, algo que pode ser considerado um rudimento do processo do cinema. Inventado na China muitos anos antes, ressurgiu em anos recentes, seja em experimentos em formato grande montados algumas vezes em metrôs dos EUA ou em instalações como a da Sony na Itália, em 2008 – um cilindro de 10 metros de diâmetro, pesando 10 toneladas utilizando imagens do jogador Kaká – o Sony Bravia-drome.
Outro desses aparelhos foi o “mutoscópio”: baseado na animação de desenhos feitos nas margens de um livro ou caderno rapidamente folheados – algo que quase todos nós fizeram algum dia no passado. No aparelho, em forma cilíndrica, olhava-se através de um visor que mostrava a sequência de imagens passando rapidamente através do mesmo. Eram comuns máquinas com mais de 500 desenhos, chegando a mostrar cerca de um minuto de animação.
Havia ainda o “praxinoscópio”, um aperfeiçoamento do “zoetrópio” trocando as fendas por espelhos, que deixavam a imagem mais luminosa e aparentemente mais estável. Pouco antes do início do século 20 o francês Reynaud adaptava o “praxinoscópio” para projetar imagens sobre uma parede branca, seu “teatro óptico” ou Théâtre Optique, que não durou muito porque um novo invento viria a competir fortemente com ele: o cinematógrafo dos irmãos Lumière.
Esses aparelhos todos mostravam uma sucessão de imagens na forma de pinturas. Um aperfeiçoamento posterior foi trocar pinturas por fotografias, afinal desde algumas décadas atrás a técnica fotográfica já havia sido inventada. Alguns experimentos foram então feitos, como o de Muybridge nos EUA, colocando várias câmeras fotográficas enfileiradas para registrar o galope de um cavalo.
Dizem alguns pesquisadores que foi nessa época que teria nascido o hoje conhecido filme na bitola 35mm. Havia já o filme fotográfico, produzido em bobinas de 7cm de largura e para usar em seu aparelho chamado Kinetoscópio, Thomas Edison encomendou a George Eastman Kodak algo que não existia antes: o mesmo filme, porém cortado pela metade em sua largura, ou seja, com 3,5cm de largura: teria nascido assim o filme de 35mm. O Kinetoscópio era outra dessas máquinas com nomes estranhos, algo parecida com o “mutoscópio” e seus semelhantes: o princípio era o mesmo, em que uma única pessoa olhava através de um visor para ver as imagens em movimento. O que diferia, no caso, era o emprego agora de uma película fotográfica no lugar das pinturas.
Em uma sala com diversos aparelhos desses, em abril de 1894 foi feita a primeira apresentação pública comercial de um filme. Aqui entram algumas discussões sobre o papel dos irmãos Lumière na França, inventores que criaram também máquinas para cinema. Auguste e Louis Lumière patentearam a partir de 1892 diversos processos relacionados com as câmeras de cinema, como por exemplo o uso de perfurações na película para permitir o movimento na cadência correta e a própria câmera cinematográfica e o projetor.
Na realidade o que se afirma é que nessa época os irmãos Lumière vislumbraram o cinema como nós o conhecemos hoje, feito para um grande público reunido em uma sala, com as imagens projetadas em uma tela e servindo de meio de meio artístico para se interagir com essas pessoas – num dos primeiros filmes as pessoas saíam correndo da frente da tela ao surgir uma locomotiva sobre os trilhos vindo em direção delas. Por outro lado, Edson o via mais como uma forma de entretenimento junto com máquinas de jogos, em uma experiência individual vivida pelas pessoas em cada uma de suas máquinas, algo como um flipperama de anos atrás. Por esse motivo, embora a tecnologia existisse antes, trazida por Edson, aos irmãos Lumière muitos pesquisadores creditam a real invenção do cinema.
Nessas salas, o que se viam eram filmes curtos, não atingindo ainda nem um minuto de duração. Um embrião de toda uma história de desenvolvimento tecnológico que viria a ocorrer nos anos seguintes. Após diversas experiências com bitolas as mais diversas possíveis, de 13mm a 75mm, acabou-se estabelecendo após os primeiros anos do século 20 como padrão internacional a largura de 35mm para a película, utilizada por Edson em seu Kinetoscópio.
Com suas margens tomadas pelas perfurações, o filme deixava uma área menor, em sua parte mais central, para efetivamente registrar as imagens. A proporção dessa janela de imagem era, como estabelecida por Edson, de 24,9mm por 18,7mm. Dividindo-se 24,9 por 18,7 obtém-se 1,33. Esse também é o resultado da divisão de 4 por 3, que é a proporção das dimensões da imagem tradicional de vídeo no formato NTCS – mais detalhes adiante. Quando surgiu o cinema sonoro, logo após as primeiras experiências utilizando um fonógrafo sincronizado com o filme, a Fox inovou ao colocar, na própria película, o som sob a forma de imagem. Em uma área estreita entre a imagem e as perfurações em um dos lados da película foi colocada uma pista óptica – para quem trabalha hoje com programas de edição é fácil imaginar algo parecido com a trilha de áudio e sua representação nesses programas, basta imaginar que essa trilha óptica era muito semelhante a esse tipo de imagem.
No entanto, ao fazer isso, o tamanho da imagem teve que ser reduzido, tornando-se mais “quadrada”. Foi então que, em 1932 a Academy of Motion Picture Arts and Sciences nos EUA decidiu restituir o aspecto mais retangular da imagem, “encolhendo-a” ligeiramente na dimensão vertical e estreitando a faixa que separava um fotograma do outro, sem retirar a pista óptica. Com isso a largura da imagem passou a ser de 22mm por 16mm, em uma proporção de 1,37:1 que ficou conhecida como Academy Aspect, diferente portanto da proporção 1,33:1 empregada até então nos filmes mudos. Quando a TV foi criada nos EUA na década de 40, sua janela de imagem foi padronizada em um formato bem parecido com esse, embora ligeiramente menor: 4:3, ou 1,33:1. Essa decisão foi tomada propositadamente, pois abria campo para utilizar o vasto conteúdo de filmes até então produzidos, com uma adaptação imperceptível ao telespectador.
Vale observar que nas câmeras de cinema a área exposta do negativo continuou a ser 1,33:1, pois ali ainda não existia a trilha óptica, acrescentada somente na fase de pós-produção, no momento de criar-se as cópias masters para distribuição. Apesar disso, guias no visor óptico dessas câmeras orientavam para o enquadramento correto. Até hoje o visor óptico é preferido pelos cineastas, por mostrar uma área maior do que a área a ser registrada no filme: ao contrário dos visores eletrônicos (viewfinder, LCD e monitores, mesmo no ajuste underscan, que mostra um pouco mais da área enquadrada) o fato de se poder “ver além” facilita a movimentação e composição da imagem ao ajustar a posição da câmera. Esse mesmo visor tem sido por este motivo adaptado em algumas câmeras digitais de cinema mais sofisticadas.
Seguiu-se então uma disputa travada até hoje entre cinema e televisão. Quando o público abandonou as salas de projeção para ficar em casa assistindo imagens mostradas naquela tela ligeiramente arredondada dos anos 40 e 50, o cinema “esticou” sua imagem criando a experiência de imersão dentro do filme. Surgiam formatos como o Cinemascope, onde uma lente especial colocada na câmera “espremia” a imagem opticamente, dentro do mesmo fotograma de 35mm e nas salas de projeção uma lente inversa ampliava-a, inclusive para telas ligeiramente curvas. Nessa fase, muitos formatos e proporções surgiram, coisa relativamente fácil para o cinema e difícil para a TV, onde um rígido padrão técnico envolvia altos custos e equipamentos caros e complicados de serem redesenhados a todo momento para criar janelas com tamanhos diferentes de imagem.
Nomes como Ultra Panavision, Cinerama, Polyvision, Camera65, CinemaScope55, Todd-AO e muitos outros foram testados e abandonados. Hoje em dia 3 formatos sobreviveram e se formos ao cinema é o que iremos ver na tela: as proporções 1,66:1, 1,85:1 e 2,35:1 (esta última foi ligeiramente modificada para 2,39:1 a partir de 1970, mas ainda é referenciada como 2,35:1). E esta última também corresponde ao tamanho total da tela na grande maioria das salas de projeção. Todos os filmes captados em película são hoje registrados no formato 35mm ou Super16 mm mas o tamanho da imagem dentro do negativo pode variar entre um dos relacionados acima (no caso do 2,35:1 através de compressão óptica horizontal dentro da área de 35mm).
Em 2005 o (Digital Cinema Initiative), comitê criado pelos sete grandes estúdios de Hollywood (Warner, Fox, Universal, Sony, Paramount, Disney e DreamWorks) propôs exatamente essas 3 dimensões de imagem para projeção digital.
A oportunidade da TV competir com todo esse apelo visual surgiu quando ela voltou para a mesa dos projetistas, no momento de se criar a TV de Alta Definição, conhecida como HDTV. Dentre as 3 proporções acima, havia um predomínio do cinema americano em 1,85:1, sendo a 1,66:1 muito comum em filmes europeus e latino-americanos por exemplo, com a 2,35:1 transitando entre os dois. Foi então definida a proporção 16:9 (1,77:1) para a HDTV, aproximando-se muito dos filmes em 1,85:1 e com isso a imagem desses filmes tem que sofrer um pequeno corte lateral, praticamente imperceptível para o público.
O público voltou a fugir das salas de cinema, que passou a investir no ressurgimento do 3D, agora mais perfeito do que no passado devido à projeção digital.
Olhando para trás e pensando nessa breve história, mesmo destacando aqui somente alguns pontos do desenvolvimento do cinema e TV, podemos pensar no presente e visualizar a convergência de todas essas mídias para o mundo digital. Essa convergência vem com a participação fundamental da Internet, hoje já utilizada como meio de distribuição na projeção digital nos cinemas e na experiência de se assistir filmes em muitos home theaters.
Uma parceria com ::Fazendo Video (texto)
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